É a Ciência Evolucionária uma Ciência Real?

Resumo: A ciência não é um simples processo de falsificação de hipóteses. A filosofia da ciência não é apenas a visão de Popper, que tem alguns problemas reais. A evolução pode ser falsificada no sentido usual na prática científica.

É frequentemente argumentado, tanto por filósofos quanto por criacionistas, que o Darwinismo não é falsificável, e portanto não é ciência. Esse argumento baseia-se na opinião que uma coisa só pode ser ciência se ela pode ser falsificada, ou seja, provada errada, pelo menos em princípio. Essa visão, que é devida a Popper, não é algo universalmente aceito, e é necessário um pouco de história da filosofia para entender o conceito de falsificacionismo e as criticas direcionadas e ele.[1]

Na época em que Darwin estava formulando suas opiniões sobre a evolução, o exemplo predominante da ciência era o programa Newtoniano. Leis eram o mais importante, e determinavam o desfecho da coisas. Ciência buscava por generalizações. Darwin tentou criar uma ciência Newtoniana, e ficou sentido quando os líderes do campo como Whewell and Herschel, dois de seus colegas e mentores, desmereceram sua teoria como insuficiente para o que eles consideravam com ciência.[2]

William Whewell foi o primeiro verdadeiro filosofo da ciência. Ele era o herdeiros das escolas Inglesa e Escocesa da senso comum empírico. Ele rejeitava a noção de Hume de que a indução (provar uma regra ou lei ao referenciar um único exemplo de dado ou observação) não era correta, mesmo que ele não negasse a força lógica do argumento, que de você não pode provar universalização não importa quantas evidências você tenha à mão. Whewell propós o que chamamos de “conciliação de induções” - quanto mais casos indutivos você tem baseado nos dados, mais confiável é a sua generalização. Isso foi o que Darwin tentou fazer, e explica parcialmente porque ele passou tanto anos juntando caso após caso para reforçar sua teoria. Ele achou que estava fazendo do jeito certo.[3]

Outra escola de pensamento foi o positivismo. Essa visão afirmava que o único conhecimento verdadeiro era o conhecimento científico, e que apenas as provas positivamente estabelecidas eram conhecimento científico. Isso significava que os positivistas tinham que ser capazes de distinguir entre a ciência real e as pseudociências da frenologia, espiritualismo e outras teorias excêntricas que entraram em cena durante o século XIX. Um positivista influente foi o físico Ernst Mach, famoso pela velocidade de Mach, e dele surgiu uma escola de pensamento nos países de língua alemã da Europa conhecida como Positivismo Lógico, centrada em Viena. Os Positivistas Lógicos sustentavam que algo é ciência quando pode ser verificado, e eles tinham todos os tipos de regras para isso, baseados na máxima de Hume de que tudo o que não decorre logicamente de questões de fato ou número era metafísica. Isso equivalia a dizer que era literalmente um absurdo para os positivistas. Quando se observou que o Princípio da Verificação era inverificável e, portanto, absurdo, a escola desmoronou.

No entanto, estimulou o jovem Karl Popper[4]a apresentar sua própria maneira de distinguir a ciência (da qual o exemplo era a nova física) da pseudociência (da qual os exemplos eram o marxismo e o freudismo). Popper também aceitava a legitimidade das declarações metafísicas, mas negava que fizessem parte da ciência. A visão de Popper (uma variedade de empirismo lógico) era chamada de “falsificacionismo”, e em suas versões mais sofisticadas sustentava que algo é científico apenas na medida em que

  • é suscetível de ser falsificado por dados,

  • é testado por observação e experimento, e

  • faz previsões.

Cientistas Verdadeiros Fazem previsões. Este era o Método Científico Verdadeiro. Um pequeno problema deve ser tratado - Popper sabia que o Princípio da Falsificação não poderia ser falsificado. Era abertamente metafísico. Nesse contexto, faz sentido porque um pró-evolucionista como Popper chamou o darwinismo de um programa de pesquisa metafísica. Não era mais falsificável (ele pensou) do que a visão de que a matemática descreve o mundo, e era igualmente básico para a biologia moderna.[5]

A chave nos trabalhos foi lançada pela primeira vez por sociólogos e historiadores da ciência, incluindo Robert Merton e, mais tarde, Thomas Kuhn. O livro de Kuhn[6] em particular colocou o gato entre os pombos. Se Popper pensava que o que estava fazendo era destilar a essência da ciência em um conjunto de proscrições, Kuhn e outros observaram que nenhuma ciência de fato se parece com esse modelo.

De acordo com Kuhn, você não pode nem comparar quando uma teoria é melhor que outra cientificamente, pois cada teoria global carrega seus próprios métodos de avaliação. A mudança de uma teoria global para outra é mais parecida com uma conversão religiosa do que com uma decisão racional. A ciência só muda quando a teoria mais antiga não consegue lidar com um número arbitrário de anomalias e está em “crise”. Quando isso acontece, a comunidade científica age como alguém olhando para aquelas fotos de duplo aspecto, como a famosa foto da velha/jovem. Eles “passam” de uma visão para outra, o que Kuhn chamou de “mudança de paradigma”. A ciência sofre revoluções, e a única maneira de determinar se algo é científico é ver o que os cientistas fazem (há uma circularidade óbvia aqui).

De acordo com Kuhn, você não pode nem comparar quando uma teoria é melhor que outra cientificamente, pois cada teoria global carrega seus próprios métodos de avaliação. A mudança de uma teoria global para outra é mais parecida com uma conversão religiosa do que com uma decisão racional. A ciência só muda quando a teoria mais antiga não consegue lidar com um número arbitrário de anomalias e está em “crise”. Quando isso acontece, a comunidade científica age como alguém olhando para aquelas fotos de duplo aspecto, como a famosa foto da velha/jovem. Eles “passam” de uma visão para outra, o que Kuhn chamou de “mudança de paradigma”. A ciência sofre revoluções, e a única maneira de determinar se algo é científico é ver o que os cientistas fazem (há uma circularidade óbvia aqui).

Isso era muito popular no relativístico final dos anos 1960, mas esbarrou em alguns problemas sérios. Para começar, ninguém conseguiu encontrar essas revoluções radicais no registro histórico. Até Galileu e Newton se revelaram revisionistas em vez de revolucionários. Então, “paradigma” começou a ser usado para cada nova teoria com impacto em uma disciplina (que são todas as teorias, no final). Eventualmente, tornou-se óbvio que, embora Kuhn tivesse feito muitas observações interessantes, não havia um ciclo universal como ele havia proposto na “vida” de uma teoria científica. O próprio termo “paradigma” foi atacado como sendo muito vago[7], e Kuhn eventualmente o abandonou em favor de termos mais restritos como “matriz disciplinar” e “exemplar”.[8][9]

O amigo de Kuhn, Paul Feyerabend [10][11][12] agitou ainda mais as coisas ao argumentar que também não existia o Método Científico, algo que Kuhn sustentava existir em um sentido mais filosófico. Feyerabend argumentou que o método era restrito a pequenas subdisciplinas e que, a qualquer momento, qualquer cientista poderia trazer qualquer coisa, da astrologia à numerologia, se isso ajudasse. Ele até aplaudiu o criacionismo recente. Este foi o extremo da abordagem “ciência é o que os cientistas fazem”. Feyerabend queria que os cientistas fizessem o que quisessem e chamassem isso de ciência.

Foi contestado por Imre Lakatos [13], que argumentou que a ciência era uma série histórica de programas de pesquisa. Enquanto eles estavam obtendo resultados, progredindo de um problema para outro, eles estavam “gerando”, caso contrário eles estavam “degenerando”. De acordo com Lakatos, um programa de pesquisa é um núcleo fortemente protegido de teorias que são relativamente imunes à revisão, enquanto as teorias auxiliares são frequentemente revisadas ou abandonadas.

Uma coisa que todos esses três filósofos pensavam em oposição a Popper - não havia nenhum ponto que pudesse ser descartado como a linha divisória entre a ciência “racional” e a não-ciência “não-racional”. Lakatos identificou o que chamou de Tese de Duhem-Quine - nada pode ser falsificado se você quiser fazer ajustes adequados em outros lugares em seus compromissos teóricos. Obteu um resultado que perturba sua teoria da gravitação favorita? Então o instrumento está errado, ou algo está interferindo nas observações, ou há outro processo que você não conhecia, ou alguma outra teoria de fundo está errada. E o ponto disso é que todos esses movimentos são realmente usados - eles são racionais no sentido de boa prática científica. O positivismo está irremediavelmente morto neste estágio.

Então, qual é a diferença entre ciência e não-ciência? Existem várias alternativas mutuamente compatíveis em jogo. O pragmatismo, a única filosofia originada na América do Norte, sustenta que a verdade ou o valor de uma afirmação como uma teoria ou hipótese está em seus resultados práticos. Os pragmatistas dizem que ser científico é um rótulo retroativo dado ao que sobrevive ao teste e faz uma diferença prática real, como uma teoria sobre um câncer afetando como esse câncer é tratado, com mais sucesso. O progresso na ciência é o acúmulo de teorias que funcionam.[14]

Os realistas continuam a dizer que o que torna algo científico é sua modelagem da realidade com sucesso, e isso deu origem ao que é conhecido como a Concepção Semântica das Teorias [15][16][17]. Por isso, o que a ciência faz é criar modelos eficazes, e se um modelo atende aos critérios de Lakatos para um programa de pesquisa geradora, presume-se que esses modelos sejam adequados e verdadeiros. Existe também uma vertente sociológica. Isso é divergente, mas é totalmente relativista (a ciência é apenas algo que os cientistas constroem por razões sociais próprias), ou mais pragmatista e realista, e compartilha um forte compromisso com a importância e singularidade da ciência (por exemplo, Hull [1988]).

De volta à evolução. Fica claro por que o falatório simplório, mesmo por cientistas, de que se algo não pode ser falsificado não é ciência, não é suficiente para descartar uma teoria. O que a ciência realmente é, é uma questão para debate complexo. A redescoberta pós-Merton da natureza social da ciência jogou os Métodos Científicos eternos pela janela, mas isso não significa que a ciência não seja mais distinguível da não-ciência. Simplesmente não é tão fácil quanto se gostaria em um mundo ideal. Da última vez que olhei, não estamos um mundo ideal, de qualquer maneira.

No entanto, no entendimento comum de falsificação, a evolução darwiniana pode ser falsificada. Além do mais, pode ser verificada de uma forma não dedutiva. Whewell estava certo no sentido de que você pode mostrar a validade relativa de uma teoria se ela se concretizar o suficiente, e Popper tinha uma noção semelhante, chamada “verossimilhança”. O que os cientistas fazem, ou mesmo o que eles dizem que fazem, no final das contas, é muito pouco afetado por prescrições filosóficas a priori. Darwin estava certo ao adotar a abordagem que fez.

É significativo que, embora muitas vezes se afirme que o darwinismo é infalsificável, muitas das coisas que Darwin disse foram de fato falsificadas. Muitas de suas afirmações de fato foram revisadas ou negadas, muitos de seus mecanismos rejeitados ou modificados até mesmo por seus defensores mais fortes (por exemplo, por Mayr, Gould, Lewontin e Dawkins), e ele acharia difícil reconhecer algumas versões modernas da teoria da seleção como sua teoria da seleção natural. Isso é exatamente o que um estudante de história da ciência esperaria. A ciência segue em frente, e se uma teoria não o faz, isso é uma forte evidência prima facie de que na verdade é uma crença metafísica.[19]

Uma citação final de Hull [1988: 7] é instrutiva:

Ainda outra ambiguidade surge constantemente em nossas discussões de teorias científicas. São hipóteses ou fatos? Eles podem ser “provados”? Os cientistas têm o direito de dizer que “sabem” alguma coisa? Ao entrevistar os cientistas envolvidos nas controvérsias sob investigação, perguntei: “Você acha que a ciência é provisória, que os cientistas precisam estar dispostos a reexaminar qualquer visão que tenham, se necessário?” Todos os cientistas que entrevistei responderam afirmativamente. Mais tarde, perguntei: “A teoria da evolução poderia ser falsa?” A esta pergunta recebi três respostas diferentes. A maioria respondeu prontamente que não, não podia ser falso. Vários opositores do consenso então atual responderam que não só poderia ser falso, mas também era falso. Muito poucos sorriram e me pediram para esclarecer minha pergunta. “Sim, qualquer teoria científica pode ser falsa em abstrato, mas dado o estado atual do conhecimento, os axiomas básicos da teoria evolutiva provavelmente continuarão a resistir à investigação”.

Os filósofos tendem a se opor a essa plasticidade conceitual. O mesmo acontece com os cientistas - quando essa plasticidade funciona contra eles. Caso contrário, eles não se importam com isso. Na verdade, eles ficam irritados quando algum pedante aponta.

A maioria dos cientistas não é filosoficamente inclinado e fará uso de tudo o que for útil em seu trabalho, mas não da maneira que Feyerabend pensava. Cientistas reflexivos sabem que o que conta é como você faz a pergunta. A maioria dos físicos também não pensaria imediatamente que a teoria atômica pudesse ser falsa. Eles estão respondendo à pergunta “é provável que seja descartado mais tarde?” não o filosófico “poderia, em teoria, ser abandonado?” que é uma questão diferente. Os filósofos fazem a arrumação conceitual, entre outras coisas, mas são os cientistas que “sujam as mão no trabalho”, e não precisam ser tão arrumados. E nenhum limpador deve dizer a qualquer profissional (exceto faxineiros) como isso deve ser feito. Os criacionistas que dizem que “a evolução não é como Popper disse que a ciência deveria ser, então não é ciência” são como o zelador que diz que os professores não mantêm suas salas de aula suficientemente limpas, então eles não são professores.

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Referências

  1. O artigo escrito por Stamos [Stamos, J: 1996. Popper, Falsifiability, and Evolutionary Biology. Biology and Philosophy 11: 161-191.] é de longe a melhor análise das opiniões de Popper acerca da evolução e eu recomendo encontra-lo se você tem acesso a uma biblioteca universitária. Popper mais tarde "retratou" suas alegações de que o Darwinismo era infalsificável e uma tautologia (que eram argumentos relacionados na opinião de Popper), em [Natural Selecion and the Emergence of Mind", Dialectica 32 (1978), pp. 339-355], mas foi feito de forma bem fraca. Sua retratação é raramente citada por aqueles que defendem o argumento tautológico.
  2. Por exemplo a desconsideração da teoria de Darwin por seu mentou, o astrônomo William Herschel, como "a lei da porcaria" [Ruse, M: 1979. The Darwinian Revolution: Science Red in Tooth and Claw, University of Chicago Press.]
  3. Ruse, M: 1979. The Darwinian Revolution: Science Red in Tooth and Claw, University of Chicago Press.
  4. Embora eu não consiga imaginar Karl Popper sendo jovem, nunca.
  5. Popper, K: 1974. The Logic of Scientific Discovery, 6th ed. London: Hutchinson.
  6. Kuhn, TS: 1962. The Structure of Scientific Revolutions, second edition 1970, University of Chicago Press.
  7. Masterman, M: 1970. The Nature of Paradigms. In Criticism and the Growth of Knowledge, eds I Lakatos and A Musgrave, Cambridge University Press.
  8. Kuhn, TS: 1970. Reflections on my Critics. In Criticism and the Growth of Knowledge, eds I Lakatos and A Musgrave, Cambridge University Press.
  9. Kuhn, TS: 1972. Second Thoughts on Paradigms. In The Structure of Scientific Theories, ed. F Suppe, University of Illinois Press, second edition 1977.
  10. Feyerabend, PK: 1970a. Consolations for the Specialist. In Criticism and the Growth of Knowledge, eds I Lakatos and A Musgrave, Cambridge University Press.
  11. Feyerabend, PK: 1970b. Against Method. In Minnesota Studies in Philosophy, Vol 4
  12. Feyerabend, PK: 1975. Against Method, Verso Editions.
  13. Lakatos, I: 1970. Falsification and the methodology of scientific research programmes. In Criticism and the Growth of Knowledge, eds I Lakatos and A Musgrave, Cambridge University Press
  14. Laudan, L: 1977. Progress and Its Problems, University of California Press.
  15. Suppe, F, ed.: 1977. The Structure of Scientific Theories, University of Illinois Press, second edition.
  16. Suppe, F: 1989. The Semantic Conception of Theories and Scientific Realism, University of Illinois Press.
  17. Ereshefsky,, M: 1991. The Semantic Approach to Evolutionary Theory. Biology and Philosophy 6: 59-80.
  18. Hull, D: 1988. Science as a Process: An Evolutionary Account of the Social and Conceptual Development of Science, University of Chicago Press.
  19. Veja a resenha em [Panchen, AL: 1992. Classification, Evolution, and the Nature of Biology, Cambridge University Press] para um resumo mias detalhado, e [Oldroyd, D: 1986. The Arch of Knowledge:An Introductory Study of the History of the Philosophy and Methodology of Science, Methuen.] para uma introdução a ciência e conhecimento desde Platão.

Artigo traduzido livremente do original Is Evolution Science, and What Does 'Science' Mean? do site Talk Origins.